domingo, 29 de junho de 2014

Transformando janelas em portas

Luiz Gustavo Mocellin Mafaciolli

O pratrimônio cultural de um povo não está somente ligado e restrito a obras confinadas em seus museus, está muito além disso, está ligado a tudo que compõe o espaço urbano a nossa volta e a tudo que nos apropriamos como espaço de vivências em nossa cidade.
Considerando a vasta malha urbana que nos cerca e nos alimenta com suas diversas culturas e valores,  surgem intervenções que têm como objetivo valorizar, chamar a atenção para um local ou algo, ou até mesmo resgatar ou restaurar essências por vezes, infelizmente esquecidas.
O Coletivo à Deriva, formado pelos membros do grupo de pesquisa Artes Híbridas e, comandado pela professora Maria Thereza Azevedo, é um grupo cuiabano que realiza e promove tais intervenções transformando a vista de uma janela em algo maior, que se possa passar, ter uma experiência, uma vivência, uma lembrança, algo que podemos abrir, ver, e voltar, transitar quando quisermos e bem entendermos. A janela é assim, transformada em porta, uma porta sem trancas e amarrações.
Nas cidades, os monumentos são os marcos do lugar, são história, e as histórias não podem ser simplesmente esquecidas e deixadas de lado, história é cultura.
O Parque do Morro da Luz, em Cuiabá é um parque urbano que foi inaugurado em 22 de maio de 1925. Já foi muito bonito, cuidado e valorizado como um dos cartões postais da cidade de Cuiabá. No entanto, com a modernização e descaso da população e do Governo, o parque aos poucos foi perdendo seu encanto, sua Luz. E hoje apesar de suas árvores centenárias  ainda contarem muitas histórias, contam para poucos que ainda as visitam.
 Considerando isso, no dia dia 20 de maio de 2014 foi realizada a intervenção urbana denominada “Morro de Luz” no parque Morro da Luz , organizada pelos alunos da disciplina de mestrado de Poéticas Contemporâneas da Universidade Federal de Mato Grosso, juntamente com o Coletivo à Deriva. Tal intervenção, surgiu da discussão em sala de aula sobre locais de nossa cidade que precisariam de uma maior atenção e cuidado.
A intervenção do Morro não se deu somente pelas pessoas que estavam lá no dia do ato, ela começou muito antes por um conglomerado de parceiros e adeptos ao movimento. Para promover o evento, utilizamos do “boca a boca” e das ferramentas disponibiizadas pelas redes sociais – grandes aliadas aos movimentos das intervenções urbanas – Arantes afirma que  “o crescente uso de formas operacionais de comunidades da rede (...) são importantes estratégias de democratização, de compartilhamento, de acesso e de troca de informações” (ARANTES, 2010, p. 04). 
Como poderia um parque denominado de Morro da Luz, não possuir sequer um respaldo de luz?
Hoje, as intervenções buscam transformar as cidades e as pessoas que delas desfrutam. Elas têm configurado grandes estímulos populares sobre os elementos urbanos públicos e culturais. Buscamos aqui “desconstruir” o imaginário a respeito do local Morro da Luz e sugerir novas apreensões sobre o espaço e seus usuários, além de ocupar o que de tempos, é nosso. A aproximação da população proporciona aprendizado e o aprendizado proporciona mais cultura e, quanto mais cultura, melhor.
Para Brunet (2008), a colaboração nas práticas de intervenção urbana funciona como uma forma de experimentação do espaço público, com o objetivo de fazer com que o participante se sinta parte deste espaço e que nele construa algo.
A intervenção “Morro de Luz”, apesar de singela e simples, proporcionou luz ao local e, não somente ao local, proporcionou luz ao olho de quem viu, e ouviu falar do movimento. É incrível como de uma porta, surgem várias outras.
Buscamos em Ferrara (1986) o entendimento sobre o uso do espaço. Para a autora, a arquitetura e o urbanismo produzem lugares e o “uso é um modificador do espaço urbano” (Ferrara 1986, p.186).
Após a realização da intervenção, olhares cuibanos se voltaram ao Morro, muito se disse, muito se especulou a respeito do feito, e o local que antes não havia luz, aquele local contraditório e tido como perigoso, hoje possui policiamento e iluminação. Uma janela, várias portas, várias lanternas, uma só luz. Parabéns a todos pela iniciativa.

Referências Bibliográficas
ARANTES, Priscilla. Impacto dos Weblogs: Geopolítica, Compartilhamento e Filosofia Open Source. In: NP 08 – Tecnologias da Informação e da Comunicação do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. 2005.
BRUNET, Karla Schuch, Comunicação e Espaço Público. Mídia locativa, práticas artísticas de intervenção urbana e colaboração: 2008
CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da Imperatriz: A Linguagem em Trânsito e o Espaço Urbano em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

FERRARA, Lucrécia D’Alessio, A Estratégia dos Signos. Perspectiva. São Paulo:1986.

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