segunda-feira, 30 de junho de 2014

A Performance no Morro da Luz



Sandra Maria Souza Rosa

 A disciplina de Tópicos Especiais em Poéticas Contemporânea I, ministrada pela professora Doutora Maria Thereza de Oliveira Azevedo, propôs aos alunos que fizéssemos uma intervenção urbana e nos fez observar a cidade de outra maneira, com o olhar mais voltado para o poético. Nós ficamos em busca de um lugar onde essa intervenção ocorreria e depois de várias sugestões, foi definido o Morro da Luz. O presente texto propõe reflexões teóricas sobre a performance realizada.

Conhecendo o Morro

O Morro da Luz como é popularmente conhecido, devido na década de 1920, ter se instalado uma subestação de energia elétrica que distribuía energia para a cidade.  Ele também é denominado Parque Antônio Pires de Campos e em 1983 foi declarado patrimônio histórico, paisagístico e ecológico do município.  O Morro da Luz está localizado na área central de Cuiabá, sendo um espaço arborizado com um clima agradável, tem trilhas e praças. Ele representa para o povo cuiabano o simbolismo de uma história com diferentes momentos que geram emoção e ao mesmo tempo aflição.
Conforme relatos de uma de nossas colegas de sala, quando o Morro da Luz foi inaugurado, era frequentado pela população cuiabana, um local onde casais de namorados iam passear, famílias ter momentos de lazer. Com o passar do tempo, o Morro da Luz foi ficando abandonado, tanto pela população quanto pelo poder público. A sujeira foi tomando conta do local, a falta de iluminação pública e de segurança também, o vandalismo foi aparecendo nas lixeiras quebradas e placas pichadas, tudo isso foi tornando o Morro da Luz um lugar inseguro e perigoso.

                                                                               
Arte no Morro

Como forma de chamar a atenção da população e do poder estatal novamente para o espaço público, foi organizada uma performance, que faria o elo das pessoas ao espaço. Para ZUMTHOR (2007, p. 39) “ A performance não apenas se liga ao corpo mas, por ele, ao espaço. Esse laço se valoriza por uma noção, a de teatralidade (...)”
A performance que foi denominada “ Morro de Luz”  é um projeto dos alunos do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso juntamente  com o Coletivo à Deriva.Foi realizada no dia 20 de maio com previsão para iniciar às 17:00. A ideia foi praticar aquele lugar abandonado, nas palavras de  Certeau[1] apud Washigton  (2013, p. 147)
Certeau Define “ Espaço” como “lugar praticado”. Os projetos arquitetônicos, as estradas, as usinas, os lagos artificiais, determinan a ordem das coisas, são lugares; as pessoas, nos seus modos de fazer, reinventam no cotidiano os seus usos, assim constituem espaços de movimentação possíveis de se viver. Certeau interpreta as práticas culturais contemporâneas atribuindo-lhes a capacidade de reinventar os lugares, cada um a seu modo, escapando do planejamento e da homogeneização através das “ artes de fazer” da  “ caça não autorizada” das “táticas de resistências”. 

Perto das 17h foi chegando a professora, os alunos, os convidados, equipes de reportagem (pois algo assim no local não havia ocorrido) e os artistas. Com certo número de pessoas e ao entardecer, começamos a subir o morro até onde é localizada uma das praças, que tem tipo um palco, foi esse o local das apresentações artísticas. A performance ocorreu com os alunos e convidados utilizando lanternas para iluminarmos as apresentações musicais e  também o escultor,como podemos verificar na foto abaixo.


Foto: Frank César Bussato

O Morro naquele momento ficou sendo palco de manifestações artísticas ocorrendo simultaneamente, enquanto o flautista era iluminado com a claridade de algumas lanternas, as outras iluminavam o escultor criando sua escultura e próximo do escultor estavam algumas pessoas fazendo bolas de sabão, pequenas, médias e grandes que eram percebidas através dos reflexos das lanternas, que pode ser verificada na foto abaixo.



                 Foto: Frank César Bussato

As práticas cotidianas do morro foram desautomatizadas por meio da arte. A rotina urbana, comentada por Caldeira, foi ressignificada na ação dos estudantes.

“A Imagem urbana apoiada nos ícones da vida privada acaba por desintegrar aquela outra imagem que valorizava os espaços coletivos: a rua a praça, o largo, a avenida; o uso da cidade se transforma em rotina organizada pela pressa que automatiza e unifica todos os lugares; perdem-se os pontos de referência, as marcas urbanas, os pontos de encontros.” (CALDEIRA, 2009, p. 42)

Mais tarde foram utilizados dois Canhões de luz Skywalker, assim visualizamos as projeções de autoria de Luis Segadas. Na foto abaixo verificamos a projeção da imagem de um índio.



                             Foto: Alle Rodrigues


O Morro por algumas horas ficou iluminado, irradiando arte e nos deixando encantados com o que estava acontecendo, se tornando realmente um “Morro de Luz”.  O ato de arte se fez assim uma ponte entre os corpos que faziam a performance e o local onde a intervenção foi realizada. Para Brito e Jacques (2009, p. 339) “ o espaço público e a experiência artística constituem, assim, aspectos da vida humana cuja dinâmica tanto promove quanto resulta dos modos de articulação entre o corpo e seus ambientes de existência”.
Essa experiência me fez perceber que não valorizamos lugares como o Morro da Luz, que faz parte do nosso cotidiano, que os seus bons tempos existem somente nas lembranças guardadas nas memórias das pessoas mais velhas fazendo-os viajarem no tempo em que tiveram a oportunidade de usufruir dele como um lugar de lazer. “Todavia a memória tem outro sentido ela é também a possibilidade do resgate do lugar, revelando-o e dando uma outra dimensão para o tempo”.  (CARLOS, 2007, p.39)
Com a falta de iluminação pública, de manutenção da limpeza e de revitalizações,as visitações ao Morro da Luz foram prejudicadas.  A população local e visitantes da cidade deixaram de frequentar o morro, que se tornou desconhecido das pessoas mais jovens. Que bom seria se o Morro da Luz voltasse a ser um ambiente de lazer em pleno Centro da cidade.













Referências Bibliográficas

BRITO, Fabiana Dultra e JACQUES, Paola Berentein. Corpocidade:Arte enquanto Micro- Resistência Urbana. In Fractual: Revista de Psicologia, v.21- n. 2, p. 337-350, Maio/Ago. 2009. Disponível em  http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/Fractal/article/view/273. Acessado em 29/06/2014

CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da Imperatriz: a linguagem em trânsito e o espaço  urbano em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007, 85P. Disponível em: http: www.fflch.usp.br/dg/gesp. Acessado em 29/06/2014

WASHIGTON, Claudia Teresinha. Prática artística, fronteiras territoriais e reinvenção dos espaços. In Sures – Revista Digital do Instituto Latino Americano de Arte, Cultura e História. Universidade Federal da Integração Latino – Americana – UNILA ISSN 2317-2738 v. 2 , Ano 2013.  Disponível em https://ojs.unila.edu.br/ojs/index.php/sures/article/view/77. Acessado em 29/06/2014

ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. 2. ed. São Paulo: Cosac
Naify, 2007. 






[1] Certeau, Michel de. A Invenção do Cotidiano- I Artes de Fazer. Ed. Vozes, 1994

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