Por Elina
Padilha Fernandes
ECCO – UFMT
Durante o curso de Mestrado em
Estudos de Cultura Contemporânea – UFMT, no qual realizei as disciplinas
Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas I, III e IV, ministradas pela
professora Drª Maria Thereza de Oliveira Azevedo, tive a oportunidade de
participar do Coletivo à Deriva, que
se liga ativamente ao grupo de pesquisa Artes Híbridas do ECCO, liderado pela profª
Maria Thereza. Ao longo desse período participei de três intervenções urbanas
ou melhor dizendo, de três práticas urbanas, já que esta última implica não
apenas o intervir, mas ultrapassa “muros” e “barreiras”, vinculadas a aspectos
políticos, sociais, econômicos e ambientais.
Como
proposta de intervenção neste módulo disciplinar, fomos chamados a subir o
Morro da Luz, e iluminá-lo, com a intenção de tornar visível a real situação do
Morro para a sociedade e para o poder público, pois este se encontra em total
abandono, sendo ocupado por salteadores e consumidores de drogas, além de ser
ponto de prostituição.
Durante o processo de ajustes para a
intervenção vários pontos de discussão foram se formando: o objetivo da
intervenção, a visibilidade da mesma (se necessário ou não), a participação da
mídia e dos departamentos públicos do município, dos artistas convidados e da
sociedade em geral. Havia por minha parte certa preocupação em relação à
notoriedade da intervenção, mas como disse Maria Thereza Azevedo: “nenhuma ação
fica sem uma reverberação, independentemente se ela foi notória ou não”.
Pesquisando sobre o Morro da Luz percebi
que o seu valor histórico e patrimonial ultrapassa os aspectos políticos e
econômicos, foi nesse morro o primeiro ponto de luz da cidade de Cuiabá, um
marco histórico e social para o nosso município. Contudo, pouco acontece para
que esse patrimônio seja um território de todos, mesmo sendo um ponto central
da cidade, o Morro da Luz virou território de poucos, e, para a grande maioria configura
apenas um ponto de referência localizador, desta maneira, ocorre a
desterritorialização e as desapropriações de uma grande parcela da população.
O
conceito de território
Dentro dessa temática, seria interessante
a definição da palavra território, “de acordo com Haesbaert Costa, deriva do
‘latim territorium’ que é derivado de terra e que nos tratados de agrimensura
apareceu com o significado de ‘pedaço de terra apropriada”. (SOUZA, PEDON,
2007, p.128).
Ainda de acordo com Souza e Pedon, a
partir desta definição:
Lobato Corrêa corrobora dizendo que tem o
significado de pertencimento – a terra pertence a alguém – não necessariamente
como propriedade, mas devido ao caráter de apropriação, assim como a desterritorialização
é entendida como perda do território apropriado e vivido em razão de diferentes
processos derivados de contradições capazes de desfazerem o território (...). (SOUZA, PEDON, 2007. Pág. 128).
Eu
entendo que esses diferentes processos de desfazer do território se justapõem principalmente
nas políticas social e econômica em nosso município; por décadas o Morro da Luz
foi deixado em segundo plano na composição urbanística da cidade, como
consequência de uma ocupação marginalizada que foi se constituindo ao longo do
tempo. Uma pequena parcela da sociedade territorializou o Morro da Luz. Sobre
este aspecto tem sido aplicado o debate do território, do lugar, da paisagem e do
próprio espaço urbano.
Embora o termo território tenha sido mais caracterizado
com as relações de poder e, desta forma atribui-se ao Estado-Nação, vários
pesquisadores, inclusive geógrafos tem defendido a definição deste, a partir de
outras variáveis importantes na produção dos territórios. Haesbaert Costa sinaliza três vertentes de
conceitos para território: 1) jurídico-política – definido por delimitações e
controle de poder, especialmente o de caráter estatal; 2) a cultural(ista) –
visto como produto da apropriação resultante do imaginário e/ou “identidade
social sobre o espaço”; 3) a econômica – destacado pela desterritorialização
como produto do confronto entre classes sociais e da “relação
capital-trabalho”. O mesmo autor afirma que os mais comuns são posições
múltiplas, compreendendo sempre mais de uma das vertentes (1997, p. 39-40). (SOUZA,
PEDON, 2007. Pág. 129).
Existe
realmente uma relação múltipla de fatores que levaram a essa
desterritorialização do Morro da Luz, apesar de sua grande importância
histórica, percebemos que as relações sobre esse
espaço-território nos dias atuais são de uma complexidade muito grande, e,
devido a uma ocupação de uma minoria marginalizada, a maior parte da população cuiabana priva-se
dele, não apenas com uma privação física (geograficamente falando), entendo que
há uma privação subjetiva, emotiva e poética, todo um complexo histórico, ambiental e social, está se
perdendo, precisamente por que o Morro da Luz surge como um território de
poucos e deixados por muitos.
Contudo, ainda sobre o conceito de
território, dois grandes filósofos sociais contribuíram para a distinção de territórios
e seus conceitos:
Na verdade apesar de alguns autores
restringirem a visão deleuze-guattariana de território a um nível meramente
psicológico (como TOMLINSON, 1998. 10), podemos afirmar que ela é de tamanha
amplitude que engloba todas estas versões de território. Trata-se na verdade de
uma vasta mudança de escala: iniciando como território etológico ou animal
passamos ao território psicológico ou subjetivo e daí ao território sociológico
e ao território geográfico (que inclui a relação sociedade-natureza). (HAESBAERT
e BRUCE, s\d, pág. 06).
Deleuze e Guattari
apesar de enfatizarem bem a territorialização como algo psicológico, não deixam
de frisar a ideia de espaço-território físico na qual as relações sociais se
estabelecem. Com esta realidade percebemos a necessidade de desenvolvimento de políticas sociais que possibilitem a reterritorialização do Morro da Luz, através
de uma ocupação física por parte do poder público com ações sociais,
econômicas e culturais, implementando uma mobilização para a ação coletiva de
ocupação por parte da sociedade civil.
Minha
experiência Corpo – Poética no Morro da Luz
Figura
01 - Desbravando, finalmente, o Morro da Luz.
Foto:
Bernadete Lara.
Como mais uma experiência de
intervenção urbana, tive a oportunidade de conhecer um pouco mais um território
até então proibido. Desde criança o
Morro da Luz fez parte do meu imaginário, nos idos da década de 90 quando
esperava o meu pai terminar seu expediente que trabalhava na CEMAT – Centrais
Elétricas Mato-grossenses, que fica no topo do morro, esse local era totalmente
proibido, pois escondia os “perigos” de um lugar inacessível, meus pais sempre
me proibiram de desbravá-lo, confesso que como qualquer criança sempre tive
muita vontade, porém o medo era maior, com suas altas árvores e seus
misteriosos espaços escuros e intocáveis, ficou por se realizar.
Enfim, apenas no dia 20 de maio de 2014 que consegui
desbravar o tão misterioso parque, pra mim foi uma realização tão gratificante,
que fiz com que o meu filho participasse desse momento, ele felizmente não
precisará esperar décadas para conhecer um território que faz parte do seu
espaço urbano, assim como as futuras gerações devem se permitir conhecer o
Morro da Luz, as luzes que iluminaram o morro deveriam ser as mesmas para
iluminar as mentes e os corações de todos que direta ou indiretamente são
responsáveis por esse território.
Figura
02 - Iluminação com canhões de luz durante a intervenção.
Foto:
Autor Desconhecido.
Bibliografia
HAESBAERT,
Glauco e BRUCE, Glauco. A desterritorialização na obra de Deleuze e Guattari. Departamento de Geografia Universidade Federal
Fluminense. Disponível em <
http://www.uff.br/geographia/ojs/index.php/geographia/article/viewFile/74/72>. Acesso em 30 jun 2014.
SOUZA, Edevaldo Aparecido e PEDON, Nelson Rodrigo. Território e Identidade. Revista
Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Sessão Três Lagoas MS.
Disponível em http://www.ceul.ufms.br/revista-geo/artigo6_EdevaldoS._e_NelsonP..pdf. Acesso em 23 jun 2014.