sábado, 2 de agosto de 2014

Do trabalho colaborativo e em rede à intervenção poética-urbana




Valdir Brito de Oliveira Junior

As reflexões tratadas neste artigo são referentes às experiências vividas acerca da intervenção[1] poética-urbana e coletiva “Morro de Luz”, realizada no Parque Antônio Pires de Campos, popularmente conhecido como “Morro da Luz”[2], em Cuiabá, pelo Coletivo à Deriva[3], e o trabalho colaborativo e em rede.
A ideia da intervenção “Morro de Luz” surgiu como proposta da disciplina “Tópicos Especiais em Poéticas Contemporâneas I: Conceitos, Diálogos e Horizontes” ministrada pela Prof.ª. Dra. Maria Thereza Azevedo no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Apesar da proposta inicial ter sido originada de uma disciplina de mestrado, o resultado final deve-se, também, pela colaboração de convidados que não fazem parte do programa de pós-graduação aqui referido anteriormente. O propósito era criar um roteiro em sala para divulgar, via web, para que outras pessoas pudessem participar e contribuir à sua maneira. Ou seja, “a ideia de colaboração é simples, nada mais que trabalhar conjuntamente em função de um objetivo” (MOREIRA; JARDIM; ZIVIANI, 2010, p. 05). E o objetivo era ocupar um espaço que deveria ser utilizado diariamente como parque e ponto turístico, mas por descaso do poder público, estava esquecido e abandonado, mesmo estando no centro da cidade.   
Essa proposta de colaboração pode parecer fruto da modernidade tecnológica, mas sua organização é percebida ao longo da história.

Moreira, Jardim e Ziviani (2010) afirmam que:

Embora os trabalhos colaborativos e em rede envolvam uma infinidade de pessoas nos dias de hoje, estas formas de organização social não são uma invenção contemporânea. Ao longo da história, muitos povos se associaram de forma colaborativa com vistas a vencerem dificuldades coletivas ou alcançarem algum objetivo comunitário (mutirões para construção de casas ou para realização de festas coletivas, por exemplo). No entanto, se antes estas idéias-forças eram colocadas em prática pontualmente, hoje elas se apresentam como alternativas no mundo contemporâneo para a ação coletiva no plano político, social e, o que mais nos interessa aqui, na dimensão cultural. (MOREIRA; JARDIM; ZIVIANI, 2010, p. 04)

O (nosso) processo colaborativo começou em reuniões de sala de aula, na interação entre discentes e docente, mas não demorou muito para tomar os primeiros traços de como seria a intervenção. E assim que foi delineada a trajetória e objetivos específicos (camisas pretas, horário e ponto de encontro, uso de lanternas), a ideia saiu de sala (para web) e deu espaço para outros colaboradores. Dessa forma as ideias saíram da turma de discentes da disciplina aqui já referida, ganhando novos adeptos fora do ambiente físico-acadêmico, agora no ambiente virtual, onde continuaram ocorrendo interações e sugestões. Entendemos então que “o processo é construído a partir das interações entre os colaboradores e está em permanente estado de evolução, sendo continuamente reprocessado e auto-organizado” (MOREIRA; JARDIM; ZIVIANI, 2010, p. 05).
Nesse novo ambiente virtual a interação pela web acontecia na famosa rede social Facebook, onde um evento[4] foi criado para divulgação, e em um blog[5], onde também eram compartilhadas informações a respeito do evento e informações sobre o Morro da Luz.  No Facebook ouve mais interação, e o evento chegou a marca de 4,4 mil (quatro mil e quatrocentos) usuários convidados. Esse alcance em divulgação de uma mensagem se dá pela possibilidade de interatividade entre os usuários. Essa interatividade na rede se dá “precisamente da convergência entre o social e o tecnológico” (LEMOS, 1997, p. 8).

Lévy (1999) já afirmava essa interatividade na comunicação através mundo virtual bem antes do Facebook existir:

A comunicação por mundos virtuais é, portanto, em certo sentido, mais interativa que a comunicação telefônica, uma vez que implica, na mensagem, tanto a imagem da pessoa como a da situação, que são quase sempre aquilo que está em jogo na comunicação (LÉVY, 1999, p. 81)

Com toda a interatividade possível dentro dessa rede social, a intervenção se torna mais fácil de ganhar novos adeptos ao movimento efêmero e novos conceitos também. Arantes (2010) afirma que “o crescente uso de formas operacionais de comunidades da rede (...) são importantes estratégias de democratização, de compartilhamento, de acesso e de troca de informações” (ARANTES, 2010, p. 04). 
A intervenção como tentativa de resgate de um local esquecido – e até temido pela falta de iluminação e segurança – não se prende apenas ao efêmero ato poético-urbano, como seu ativismo perpetua. Mesmo se não quiser ser ativista, ela o é. Esse ativismo é debatido, mesmo que sutilmente, na rede e se reflete na rua, na performance, seja em forma de poesia, de música, ou no simples ato de ocupar algo que já não era ocupado. É importante “perceber que, para além de serem vistos como meras ferramentas de troca de informações, estas novas formas operacionais e em rede vêm sendo vistas, também, como instrumentos importantes de mídia ativismo”. (ARANTES, 2010, p. 03).
Esse movimento então é originado em um grupo menor de pessoas, em um espaço limitado, e se desprende da arquitetura física e se permite na rede. Essa inserção no virtual permite colaborações de pessoas que não estavam presentes desde o início, reformulando e acrescentando ideias. Essas ideias ganham corpos e esses corpos ocupam o espaço, “Morro da Luz”. O “Morro de Luz” é um trabalho colaborativo – e em rede – que ganha forças ativistas na sua sutil maneira de ocupar e interagir.

REFERÊNCIAS

ARANTES, Priscilla. Impacto dos Weblogs: Geopolítica, Compartilhamento e Filosofia Open Source. In: NP 08 – Tecnologias da Informação e da Comunicação do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom. 2005.

CALDEIRA, Solange Pimentel. O lamento da Imperatriz: A Linguagem em Trânsito e o Espaço Urbano em Pina Bausch. São Paulo: Annablume, 2009.

Intervenção Urbana. Disponível em: <http://www.intervencaourbana.org/>. Acesso em: 20  Jun. 2014.

LEMOS, André. Ciber-Socialidade: Tecnologia e Vida Social na Cultura Contemporânea. Disponível em: < http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/cibersoc.html>. Acesso em: 20 Jun. 2014.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo, Ed. 34, 1999.

MOREIRA, Fayga; JARDIM, Gustavo; ZIVIANI, Paula. Trabalho Colaborativo e em Rede com a Cultura. Gestão Cultural: Competência e Desafios. No Prelo.




[1] De acordo com o dicionário online Priberam < http://www.priberam.pt/>: ator de intervir = tomar parte em; participar; interferir; interceder. No caso de intervenções urbanas o termo utilizado para designar as intervenções realizadas em espaços públicos. 
[2] Para conhecer mais sobre o Morro da Luz: < http://www.cuiaba.mt.gov.br/upload/arquivo/morro_da_luz.pdf>
[3] O Coletivo à Deriva surgiu em 2009, e está ligado ao Grupo de Pesquisas "Artes Híbridas: intersecções, contaminações e transversalidades”. Desde o seu surgimento atua em intervenções e performances poética-urbanas na capital cuiabana. Para conhecer mais: Facebook Oficial: < https://www.facebook.com/pages/Coletivo-%C3%A0-Deriva/255646701141126>; Blog: < http://coletivoaderivacuiaba.blogspot.com.br/>. 
[4] Link do evento no Facebook: < https://www.facebook.com/events/759647364060038/>.
[5] Link do Blog Morro de Luz: < http://morrodeluzcuiaba.blogspot.com.br/>. 

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